quarta-feira, 14 de maio de 2008

Discofonia (10/11/12 Maio)

Jamie Lidell-Little Bit of Feel Good

José Luís Tinoco-
Arquipélago

"Tentaram que eu tivesse (formação académica) mas eu era avesso a qualquer tipo de aprendizagem, era extremamente preguiçoso... a minha mãe era pianista e professora de piano, e tentou realmente iniciar-me no piano, mas desistiu. Aliás houve mais dois professores que também desistiram, portanto... Uma vez que eu era considerado um caso perdido, porque tirava as coisas de ouvido, normalmente, pronto, tirámos daí o sentido."

"Isto agora dava para uma reportagem enorme só sobre os anos 40 e o tempo da guerra. (...) Ah, mas não se ouvia mesmo nada, o problema era esse! É que se nós quiséssemos ouvir jazz, nessa altura chamava-se a Emissora Nacional, que era o programa que nós ouvíamos, lá em casa, e o jazz era qualquer coisa de interdito, era uma música maldita, não é, e portanto, o que é que passava? Temas mais ou menos ligados à cultura norte-americana, com rubricas que tinham um nome engraçadíssimo... por exemplo, música de salão! Só muito tardiamente é que eu comecei a ouvir através da rádio música de jazz. O que eu tive foi a sorte de ouvir, quando era miúdo, uma série de discos do Glenn Miller, e isso para mim foi importantíssimo. Agora, a minha grande fonte de aquisição de conhecimentos musicais da música que me interessava, além da erudita, eram os filmes musicais. E essa é que foi a minha cartilha!"

"(Na década de 50) nós tocávamos tudo aquilo que conseguíamos saber. Eu, por exemplo, sabia poucos temas, porque estava há pouco tempo em Lisboa, mas evidentemente, assim que cheguei ao Hot Clube comecei a tocar até porque o Villas-Boas literalmente agarrou em mim e atirou-me para cima do estrado. Eu era muito magrinho, pequenino, e ele era muito grande e dizia: toca piano! E obrigou-me a tocar! (...) Eu, naquela altura, tinha um repertório muito limitado até porque não tinha nem piano nem discos... (...) Onde é que ensaiava? Em sítio nenhum! (...) Havia em tudo isto uma predisposição para o improviso, não, é, todas as coisas aconteciam de uma forma quase mágica. E então, quando eu passei a ter coragem para subir para o estrado, isso (as jam sessions) passou a ser uma actividade quase permanente."

"Esse foi o momento decisivo para mim e para o Hot Clube, porque até então, nós tocávamos, enfim, aquilo que éramos capazes de tocar, porque éramos todos amadores e analfabetos, convém que se saiba, e havia no meio disto tudo uma figura... estou-me a lembrar, a pessoa que eu vi, pela primeira vez, a construir um solo com princípio, meio e fim, duma coerência, dum brilho espantoso, era um senhor que tocava guitarra, e ainda toca, guitarra eléctrica, que era o Meneses! (...) Em finais de 50, nós estávamos nesta actividade que era perfeitamente avassaladora, frenética, diária, até que uma vez apareceu o Jean-Pierre (Gebler). E ouviu-nos tocar e aqui passou a constituir-se um grupo em que era o Jean-Pierre, que tocava sax barítono, eu ao piano, o Tó Zé Barros Veloso ao contrabaixo, e na bateria, normalmente, o Paulo Gil ou o Sangareau, ou o então recém-aparecido Veloso, Manuel Jorge Veloso, que era um homem com muito instinto... sem ter técnica tinha um swing enorme. Portanto, aqui, nós fomos positivamente impulsionados pelo Jean-Pierre, no sentido de adquirirmos, de estendermos o nosso repertório ao maior número de standards, com esta particularidade, é conhecer tema a tema no tom original! Que era uma prática que nós, normalmente, displicentemente ignorávamos. Portanto passámos a ter um repertório, enfim, ainda relativamente vasto, e que assegurava a existência diária do Hot Clube, à noite."

"Se entende por espírito de profissionais a assiduidade, o estudo e o trabalho regular, ai eu diria que o nosso comportamento era profissional porque, veja bem, nós à tarde reuníamo-nos e dizíamos assim, é pá, vamos agora estudar este tema, suponha, um tema dos Jazz Messengers... eu, como pianista, via, os acordes são estes e tal, tal, tal. Ensaiávamos a introdução, a exposição do tema e depois começávamos a variar e então à noite tocávamos aquilo... Portanto, o nosso comportamento roçava o profissionalismo; agora, não há dúvida nenhuma, eu era arquitecto, o Barros Veloso era médico, o Paulo Gil trabalhava numa companhia de aviação, o Sangareau, esse, era profissional- era baterista, mas um profissional meio amador, meio vagabundo, era uma personalidade giríssima; o outro Veloso, o Manuel Jorge, era funcionário da RTP..."

"O Late Fifties, como o próprio nome indica, foi realmente composto nos finais de 50. Eu não tinha uma actividade como compositor. O tempo chegava-me escassamente, nem para aprender os temas e para os trabalhar, não é? Mas nunca os amadurecer, em casa. Para se compôr é preciso ter um piano e eu não o tinha; nessa altura, o meu piano estava em Leiria, em casa dos meus pais! Acontece é que no meio daquela actividade normal, no Hot Clube, eu compus um tema, que foi este, o Late Fifties. Que, aliás, ninguém reparou nele, diga-se de passagem... era um tema, já, na altura, muito arrevesado, era hard bop... (...) Compunha lá num cantinho, no Hot Clube, nos intervalos. E mais tarde comprei um piano, finalmente, que foi um dia marcante na história da minha vida, e acabei-o, acabei esse tema. Portanto nunca chegou a ser tocado. Esteve durante perto de 50 anos à espera de vir à superfície, como agora, neste disco."

Tahiti Boy and The Palmtree Family-
1973

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Discofonia (3/4/5 Maio)

Ramiro Musotto-Gwyra Mi

Pedro Madaleno-
Dissidentes

"Estar mesmo em Nova Iorque é muito importante, porque aqui em Portugal, naquela altura (na década de 80), havia pouquíssimos concertos, não é como é agora, que eu já não sinto falta nenhuma de não estar em Nova Iorque. Neste momento há um concerto bom quase todas as semanas."
"Às vezes ia a jam sessions, podíamos fazer jam sessions com grandes músicos, porque alguns eram meus colegas- por exemplo, eu tocava no grupo do Brad Meldhau, juntamente com o Chris Potter, e tocava com pessoal muito fixe quando estava na New School... Estava no grupo deles mas depois, quando íamos para a jam session, era outra atitude. Sentia muito mais stress porque só apareciam cromos; uma vez por outra aparecia um Branford Marsalis e uma pessoa ficava ali em pânico, não é? Portanto era um bocado competitivo porque estava toda a gente a tentar dar nas vistas; os que eram menos conhecidos tentavam dar nas vistas, então era uma grande competição, claro. (...) Eu tinha um colega meu, que é o Peter Bernstein, guitarrista, e ele estava sempre a dizer: pá, vocês, europeus, estão cá... nós podemos estar aqui, ser preguiçosos, agora vocês estão sempre a estudar, sempre com aquele stress de ter que começar a tocar... (...) Eles também têm que estudar como nós, é a mesma coisa, mas crescem num ambiente diferente do nosso, com aquele tipo de música todos os dias... mas eles eram mais preguiçosos do que nós, isso é verdade."

"O problema dos músicos é que nós ouvimos a música não em função dos sentidos, de nos sentirmos bem ou... nós ouvimos muito a música com um carácter crítico... deixa-me analisar isto, isto é aquele acorde, isto são aquelas notas, está bem escrito, está mal escrito... Então às vezes esquecemo-nos que devemos ouvir a música por prazer. E os músicos têm esse problema, ouvem tanta música que chega uma altura em que já não estão a ouvir por prazer, estamos a ouvir o que é melhor, o que não é melhor, o que nos interessa para estudar ou para não usar, é um defeito que nós temos. (...) Para um músico é muito mau, por isso é que às vezes gosto de estar num bar e olha, pronto, esta música é tipo 30 metros de música, como costumo dizer, depois põem mais 20 metros de música, depois põem música com uma lombada azul, pronto, não tem nada a ver com música mas às vezes gosto de estar a ouvir só pelo prazer."

"Tento não me limitar a um estilo, quando estou a compôr... é uma necessidade. Mas tenho sempre a preocupação, quando estou a compor, de compor uma coisa que seja minimamente original, que não faça lembrar isto ou aquilo, porque isso é mau, não é? Se bem que isso é uma coisa que me irrita um bocado, às vezes as pessoas não percebem... hoje em dia as pessoas têm uma abordagem muito crítica quando vão aos concertos, estão sempre à espera de ouvir coisas originais e isso é uma exigência que se faz aos músicos que é um bocado injusta porque uma pessoa não pode ser original o tempo todo. Todos os músicos grandes que nós conhecemos vieram de alguém, têm um som que foi inspirado em alguém, e é mau uma pessoa estar sempre a pedir aos músicos que sejam originais porque isso é quase como dizer, olha, dá-me uma droga nova todos os dias porque já estou farto daquela..."

"Eu acho que este projecto dos Dissidentes sintetiza um bocado todos os outros projectos, porque é um projecto em que estou a tentar fazer música ao mesmo tempo bastante complexa e irreverente e maluca e com várias influências mas, ao mesmo tempo, muito simples. E muito mediática. Eu acho que isso é a coisa mais importante na música. Uma pessoa não pode estar a fazer música só para nós, não é? Isso é o problema de alguns músicos. Podemos estar em casa ou a compor, e depois vamos tocar nos concertos, ninguém gosta e nós estamos ali com uma trip intelectual, que a música é altamente... Uma pessoa não pode ter essa perspectiva. Então, quando toco, tento sempre fazer coisas que atinjam as pessoas, não é? Eu também já fui... nem sempre fui músico, não é? E antes de ser músico também gostava da música só pelo prazer... Portanto os Dissidentes sintetiza os meus projectos todos. Porque não me interessa passar o resto da vida a tocar em barzitos para 10 pessoas. Interessa-me tocar para o maior número de pessoas possível."

Sébastien Tellier-
Une Heure

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Discofonia (26/ 27/ 28 Abril)

Camille-Canards Sauvages

Azevedo Silva-
Autista

"Ainda hoje julgo que não sei tocar muito bem guitarra. E não o digo com falsa modéstia. Julgo mesmo que não sei tocar guitarra e foi simplesmente a brincar e a dedilhar coisas. (...) Foi num período em que devia ter 12 anos e, na altura, ouvia muita coisa como Nirvana ou Smashing Pumpkins, coisas assim, e lembro-me perfeitamente que o que eu tentava imitar, ou Bob Dylan, e tentava imitar as notas, mesmo sem saber o que é que estava a fazer, tentava apanhar o som de ouvido. E ainda hoje não sei, às vezes tenho dificuldades a tentar explicar qual é a nota que estou a fazer. (...) Foi assim, mais num processo de imitação do que propriamente de aprendizagem."

"Tenho uma referência, básica. E há pessoas que vão dizer que eu me quero colar à imagem mas não é esse o objectivo. Simplesmente, há um que eu admiro desde sempre que é o Zeca Afonso. Ouvia desde muito pequenino... o meu pai fazia emissões de rádio e sempre foi uma presença habitual. E o Zeca Afonso, com o Fausto na guitarra ou com o Zé Mário Branco, tudo aquilo era... dizia-me algo. Era o único autor português que eu ouvia. (...) É uma presença constante nas minhas entrevistas: se pedem para escolher um tema, escolho Zeca Afonso, se me pedem uma influência, eu digo Zeca Afonso, porque é realmente, não sei, se há alguém que, para mim, merece ter uma posição de destaque eu penso que seja ele. (...) Há muita daquela realidade que, para mim, continua a ser actual, mas depois quando falo da própria música em si, em termos melódicos, por exemplo, referindo-me à Redondo Vocábulo, para mim podia ser uma música composta hoje, em 2008."
"Não (é uma música) no sentido clássico de intervenção, de protestar contra algo concreto, contra um sistema ou um regime, com um objectivo específico. Diria que é música que pretende interpelar as pessoas, mas apelando a diversas coisas e não, lá está, a uma crítica concreta, a um regime ou a um sistema. (...) É intervenção não política. Se considerarmos intervenção no sentido político, tradicional, não será, mas não sei se se chama música de intervenção por uma degenerescência que ocorreu no conteúdo da música... das músicas, progressivamente, no tempo, passarem a ter um conteúdo mais superficial; então isto, agora, só porque tem um conteúdo relevante passa a ser chamado de intervenção? Não sei, eu não diria que é de intervenção. Se guardar o termo para o contexto histórico que tem, é música com conteúdo." (Filipe Grácio)

"Isso é obrigatório, já tenho as viagens marcadas. Todos os anos tenho que fazer uma viagem. Este ano já estive em França, Holanda, Bélgica... em Janeiro já fiz isso, agora vou a Itália, Alemanha, tenho que continuar a viajar. (...) À semelhança da Tartaruga, que também tinha um tema, que era o Deus Pânico, em que falava, precisamente, de uma maneira um bocado mais subtil, provavelmente... falava do meu medo da morte, essa frase específica, "Sabe a pouco o que a vida nos reservou", é mesmo aquela vontade de não parar, não consigo parar. Ao pensar que um dia tudo será nada, tenho que ter algo para fazer, constantemente. Não parando aquilo que tenho para fazer. Se não, torna-se demasiado pesada, a existência."

Mão Morta-
A Poesia

terça-feira, 22 de abril de 2008

Discofonia (19/20/21 Abril)

Asa-Fire on the Mountain

Leo Tardin-
The Biggest Piano in Town

"Quando começamos a dizer 'isto é jazz' ou 'isto não é jazz', acho que perdemos de vista a essência do que é o jazz... O jazz é uma música de inventividade e de personalidade. Se dissermos que isto é assim, ou devia ser assim, torna-se uma abordagem académica, e esta música não foi criada nas escolas! É esse o perigo, com as escolas de jazz no mundo inteiro: por um lado, é óptimo que existam, mas, por outro lado, perdemos a ligação com a essência e a urgência desta música. O que é mais importante, para mim, não se aprende na escola."

Meredith Monk-Memory Song

terça-feira, 15 de abril de 2008

Discofonia (12/13/14 Abril)

Camille-Kfir

Marta Hugon-
Story Teller

"Claro que sim, de alguma forma acho que a pessoa se revê nas canções, e se eu não me tivesse revisto de alguma forma nesta canção (Good Morning Heartache) (...). Eu acho que um cantor, quando escolhe uma canção, tem sempre isso em conta. Ou seja, uma coisa é nós escrevermos as nossas próprias letras, e isso é nosso, de outra forma... apesar de eu achar que a música, depois de a gente a fazer, ela ganha um bocadinho vida própria e é um bocado como eu me ouço às vezes e digo: é como se fosse outra pessoa! Sou eu mas ao mesmo tempo é outra pessoa a cantar. Quando se cantam coisas de outros compositores, que é o caso do repertório que está neste disco, e no primeiro também, a pessoa identifica-se com aquilo que está a cantar e por alguma razão o escolheu, não é? Senão, esse lado mais interpretativo e mais emocional que eu gosto de pôr nas canções não estava lá."

"São muitas coisas que estão em jogo mas eu acho que tem que haver sempre esse lado de representação, que também é aquilo que nos permite, mesmo vivenciando aquela experiência, manter o distanciamento necessário para entregar a canção de uma forma, vá lá, profissional, se assim quisermos. Ou seja, para manter a sua consistência, para que a música esteja acima, também, da nossa vivência pessoal, ou para que a nossa vivência pessoal não se sobreponha à música."

"Eu gosto de fazer música, independentemente... agora, de facto, é no jazz que eu posso fazer as coisas que realmente me preenchem. Eu gosto de cantar ao vivo, gosto deste trabalho com a banda, e isso com as outras músicas... acontece de outra forma, são outros processos de criatividade. São outras formas de criar."

terça-feira, 8 de abril de 2008

Discofonia (5/6/7 Abril)

Tom Brosseau-Committed to Memory

Luís Lopes-
Humanization 4Tet

"Quando comecei a ouvir Jimi Hendrix fiquei logo... Eu sempre me apaixonei por estes artistas agrestes, que valorizam a ideia em si e não a técnica para o atingir. É óbvio que é preciso sempre muita técnica para tocar como eles, mas eu digo isto, de valorizar a ideia em si, porque eles valorizam a sua forma de tocar e têm uma forma de tocar completamente diferente do que normalmente se ensina nas escolas, por exemplo. Essa forma de tocar é única e é deles. O Jimi Hendrix tem isso, não é uma pessoa académica que aprendeu a tocar- alguém lhe ensinou a tocar daquela maneira e ele foi aprendendo, e tem uma forma agreste, crua, de tocar. Falha... há a questão do erro, também, não é? Que está incluída na maneira de ele tocar e é assumido e é reciclado para fazer a música- e a ideia em si é que conta."

"Isto é como a pintura, não é? Há uns que gostam de pintar a coisa real, fazer uma cara de uma pessoa, fazer uma imagem de uma pessoa, certa, há outros que se calhar chegavam lá, faziam aquela cara, daquela pessoa, exactamente igual como o outro fez e depois passavam-lhe a mão por cima e aquilo ficava tudo desbaratinado... desfocado. Eu não consigo separar, ainda não consegui separar a música da pintura e de outras artes. Acho que é exactamente a mesma coisa. Eu pensar, em termos estéticos, em relação a uma música como o jazz, eu vou logo buscar a pintura e tentar equivaler... O que é que equivale a um músico como o Charles Gayle? Qual é a pintura que equivale a isso? (...) Ou o que é que corresponde, em termos de pintura, a um músico como o Jim Hall, por exemplo? O que é que corresponde, não é?"

"Há quem diga que na livre improvisação vale tudo menos tirar olhos. Eu digo: vale tudo, inclusive tirar olhos! Quer dizer, o que é a improvisação? Improvisação é uma palavra muito abrangente. Um guitarrista como o Jim Hall, por exemplo, ele também é um improvisador. E podemos falar do Wes Montgomery e esse pessoal todo, da clean guitar, se me é permitida a expressão. Eles são improvisadores, eles improvisam! O improviso já vem desde... aliás, é inerente à palavra jazz, não é? Eu posso é, quando estou a improvisar, posso aproximar-me da raiz do acorde, ou da melodia da música, e estar dentro da melodia, ou posso afastar-me até ao infinito, inclusive ruídos, ou não tocar, ou tocar só aquelas notas (...). É uma questão de gosto."

"Eu tenho boa memória e vou sempre reciclando tudo aquilo que fui aprendendo mas, se calhar é a chave da questão, quando estou a tocar, eu gosto de arriscar e ir para qualquer sítio onde eu nunca estive. A tocar. Gosto mesmo! Eu gosto de arriscar quando estou a improvisar, e eu sei que naquele momento eu estou a ir para um sítio onde ainda não estive. (A fazer algo) que eu não me lembro de ter feito antes. Estou mesmo a arriscar na hora. (...) É claro que depois aquilo mistura-se um bocadinho, porque eu sei que, de repente, quero arriscar e vou para um sítio que eu não conheço ainda, e de repente começam a aparecer-me outras ideias. Que eu já me lembro. (...) Eu falo por mim. Para mim tem sido assim. E é claro que vêm-me sempre as ideias todas, e vêm mesmo, estou a ser sincero. Vêm-me as ideias de tudo, não é só da música. Vêm-me as ideias das minhas vivências daquele dia e dos outros dias, as vivências todas que a gente vai fazendo... é impressionante, mas é verdade."

Bobby McFerrin-I'm Alone

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Discofonia (29/30/31 Março)


Zé Eduardo Unit-Realejo

Paula Sousa-
Valsa Para a Terri

"Eu não decidi aos 8 anos: vou ser pianista. Eu decidi milhões de vezes na minha vida. Algumas vezes fui desviada disso porque eu devia fazer não sei o quê, porque não sei o quê, mas depois eu tinha que voltar sempre à base. (...) Eu não quero viver sem ser músico."

"Dei-me relativamente (no universo da música pop). Eu acho que me dei bem, mas de alguma maneira senti que havia algo curto para mim, musicalmente, ali. Ou seja, que me era pedido que eu fizesse algo mais curto, em termos musicais; algumas vezes isso acontecia. (...) As pessoas, muito facilmente, na pop, associam... é um processo muito rápido. E que às vezes acontece depressa demais. Às vezes, quando nós passamos algum tempo a estudar, quando nós compreendemos que a música é uma coisa muito vasta, que demora tempo até fazermos alguma coisa realmente, pronto, alguma coisa que a gente possa dizer 'Bem, vamos lá, não está mal', sei lá, eu sou assim um bocadinho exigente comigo própria- então às vezes fica difícil relacionarmo-nos... ficou, para mim, difícil relacionar-me com algumas reduções de alguns processos rápidos demais. E, a certa altura, tornou-se um bocadinho insatisfatório."

"Ser pianista é um bocadinho, é daquelas profissões que se vê como arriscada, não é? Pronto, é tudo pouco garantido... Eu cada vez mais acho que o mais garantido que temos é irmos à procura de nós (...). Para mim tem sido muito difícil, desde que me conheço, convencer as pessoas que é mesmo isto, que desistam de me convencer que se eu tivesse o meu curso de economia, se eu fosse não sei o quê da farmácia, não sei o quê, é que estava tudo tranquilo. Isso tem sido muito difícil. No meio do jazz... é difícil. É um meio difícil porque, sobretudo, há grandes músicos em Portugal. Cada vez há mais bons músicos em Portugal, não há muitos sítios onde tocar... Eu não posso dizer que, como mulher, me foi especialmente difícil entrar no mundo do jazz, não posso dizer que senti aquela pressão das pessoas me porem de parte como mulher. Não senti nada disso."

Little Annie & Paul Wallfisch-
The Summer Knows

quarta-feira, 26 de março de 2008

Discofonia (22/23/24 Março)


Zé Eduardo-Zé Eduardo Unit, A Jazzar...

"O Zé Eduardo, tudo aquilo que se propõe fazer, faz. O Zé Eduardo só não vai conseguir vencer a sua própria morte. E praticamente tudo aquilo que me propus fazer, fiz. Portanto, e eu disse, 'ok, tu não queres, mas eu vou arranjar maneira de fazer isto'. E fiz a Escola no Hot. E a Escola morreu. Ou seja, nasceu em 77 e morreu meses depois. Morreu porquê? Porque o Villas-Boas pegou na Escola e levou-a para o Louisiana, tal como tinha prometido. Aliás, eu respeito muito o Villas-Boas porque é um gajo quase tão louco como eu, tão obstinado como eu e, portanto, estivemos 10 anos sem nos falarmos- de relações cortadas! Foi um tipo que me expulsou do Cascais Jazz em 1979. Disse 'Fora, isto é a minha casa!', do Desportivo de Cascais, lembro-me perfeitamente. (...) A reconciliação foi quando eu vim com a orquestra do Taller de Músics, de Barcelona, com o Tete Montoliu como solista, ao São Carlos, a abarrotar, em 1989. E quem é que vejo nos camarins depois do espectáculo? O Villas-Boas, com os braços abertos. E disse-me só assim, e aí foi a reconciliação: 'Eh pá, ó Zé Eduardo, você conseguiu, pá!'"

"Ainda ontem estive numa jam- eu cheguei ontem a Lisboa e fui meter-me no Hot, como é óbvio. Quer dizer, é óbvio! Não tenho outro sítio para ir, quando venho a Lisboa venho ao Hot. E era 3ªfeira, sabia que havia jam session, fui lá e estive a tocar. E estive a tocar com malta nova que eu nem sei quem é! E há malta a tocar muito bem, e ainda bem! Miúdos novos, a tocar... Portanto, eu fui lá e estive a tocar... foi engraçado, estive a tocar com o Tó Zé Veloso, que é um dos históricos do Hot. Eu disse-lhe, toquei 2 ou 3 temas e disse:'Eh pá, ó Tó Zé, cada vez que toco consigo eu sinto-me um miúdo, pá! Como no primeiro dia!', 'Eh pá, não, pá!', ele assim, e eu, 'Não, pá, sinto-me, eu agora estive a tocar consigo, senti que tinha 18 anos e estava aqui pela primeira vez!'"


"Quando não tenho tempo para tocar pelo menos meia-hora, fico altamente mal disposto. Fico deprimido, fico com sentimentos de culpa e de remorsos, e não sei quê... E às vezes não posso mesmo (tocar). Às vezes chego ao fim do dia e não toquei, e digo: 'Não tocaste, pá!'... Ah, porque eu tenho um caderno onde escrevo tudo o que toco, há 30 anos. Não é esse caderno, tenho vários, tenho uma colecção de cadernos! (...) É o que eu tenho de estudar. Eu sempre que estudo, gravo-me. Depois ouço e sou o meu próprio professor. Vejo onde é que falho e depois vou praticar aquela coisa onde estou a falhar até achar que está bem. Trabalho assim. Depois ponho no caderno, fiz aquilo, aquilo, aquilo- e faço isto há 30 anos, quer dizer, devo ser um bocado psicótico!"


"Eu, quando era militante, activista estudantil, antes do 25 de Abril, já sabia as músicas do Zeca. Mas sabia as músicas do Zeca como sabia a Internacional, quer dizer, era obrigatório! Portanto, o Zeca diz-me, a mim, nesse aspecto. O Zeca, para mim, ainda é isso, ainda é ter a polícia de choque ou estar nas searas do Alentejo. (...) Eu gravei vários discos de música portuguesa mas estava lá tipo mercenário. Pagavam-me e eu ia para lá e fazia o melhor possível."


"(O contrabaixo) é o mesmo, desde que eu sou estudante. É o mesmo. Só outro dia aconteceu-lhe um acidente, porque um dos meus road managers... a primeira vez, ele disse: 'Eh pá, eu sou músico, como vês, eu trato bem dos instrumentos, posso levar o teu contrabaixo?' E eu nunca deixei ninguém levar o meu contrabaixo. Sempre levo eu. E uns dias antes tinha-lhe dado ordem: 'Passas a levar, acho que sim, mereces.' Pronto! Deu-lhe um encontrão, bateu na esquina daqueles monitores de palco que são em forma de triângulo, fez uma racha... pronto, tirei-lhe outra vez a prerrogativa, continuo a carregar eu o contrabaixo. Foi a única vez. Aliás, foi a grande cacetada que ele levou nos últimos 30 anos, foi essa. Foi em Novembro. Tem o braço solto, e este A Jazzar (nos Cartoons) foi gravado assim, no dia seguinte a ter levado a cacetada. Por isso é que isso soa tão bem!"

quinta-feira, 20 de março de 2008

Discofonia (15/16/17 Março)

Little Annie & Paul Wallfisch-Victim

Demian Cabaud-
Naranja

"O contrabaixo é um instrumento que escasseia muito, se diz assim, no? Será que é muito difícil de tocar? Eu acho que é muito difícil de tocar. Ou porque não é um instrumento propriamente fácil de abordar. Muitos instrumentos, se começa de criança a tocar, tipo piano, violino ou viola, mas o contrabaixo não se pode tocar de criança. A partir dos 18 anos ou assim é que uma pessoa começa a pensar no contrabaixo. Acho eu."

"Não quero tirar mérito ao baixo eléctrico mas sempre gosto de decir que o contrabaixo é um bocado como que metafísico. Porque o baixo eléctrico, como a guitarra, não tem o problema da afinação, como o contrabaixo tem. Porque tem os trastes e as marquinhas, e tu sabes que metes o dedo em tal sítio e a nota existe. Mas no contrabaixo, no violino e instrumentos clássicos, não. É treino e apurar o ouvido. Então como que o instrumento existe na tua cabeça e não existe fora, não é? Não sei, gosto de pensar assim. (...) É um desafio muito maior. Todos os dias, de cada vez que pegas no instrumento é o desafio."

"Eu não cresci com o jazz. Na minha casa não se ouvia jazz. Foi como quem está a cavar um buraco no jardim e, de repente, encontra-se aí com um tesouro. Mas tive de ser eu a cavar o buraco. Não estava feito."

Magik Markers-
Empty Bottles

segunda-feira, 10 de março de 2008

Discofonia (8/9/10 Março)

Caribou-After Hours

Stacey Kent-
Breakfast on The Morning Tram

"Foi como contar uma história! É uma forma muito natural de cantar, como se estivesse a falar com alguém. Aliás, a maneira como escrevemos as canções foi muito interessante desse ponto de vista porque o Kazuo escreveu as letras primeiro, porque estávamos no Colorado e não podíamos juntar-nos os 3 à volta do piano para trabalhar. E mais tarde, o método que resultou melhor para mim e para o Jim foi eu ler-lhe as letras. Como se estivesse a ler poesia ou a contar uma história. E ele escreveu as canções a partir do meu ritmo natural, porque eu estava a cantar sem realmente cantar- estava a cantar antes de haver uma melodia. E o Jim diz que foi assim que conseguiu compôr as canções de forma tão fluente... Ouviu o meu ritmo e foi daí que nasceram as canções."

"Gosto que o realizador tenha uma personalidade forte e uma visão própria, mas que não se imponha e deixe a história contar-se a si própria. E isso é o que sinto em relação à música: sim, sou eu que canto, mas a canção não é sobre mim! Não é uma questão do que consigo fazer com a voz, é uma questão de ser aquela história! E quero que essa chama se desvaneça, seja o realizador ou a cantora, de modo a que só se sinta essa história. E que só se veja essa química, porque a química é tudo! Ok, não é tudo, mas é o poder, o que alimenta tudo aquilo!"

Michaël Attias-
Hot Mountain Song

terça-feira, 4 de março de 2008

Discofonia (1/2/3 Março)

Terry Lee Hale-Evergreen

Mind Da Gap-
Matéria Prima (1997-2007)

"Houve aí uma altura em que nos sentíamos resistentes porque, para além dos Mind Da Gap, assim com edições, vamos dizer, com a dimensão das nossas, e quando digo dimensão, digo com uma editora com alguma importância e com promoção e com entrevistas e estas coisas que normalmente se fazem, durante algum tempo fomos dos poucos a fazê-lo. Nessa altura pareceu-nos mais resistência do que agora, agora é um bocado velocidade de cruzeiro."

"A nossa tendência é cada vez mais dar importância aquilo que se diz e não à forma como se diz. O assunto é cada vez mais relevante em relação à forma."

"Eu reconheço em mim, e agora estou a falar em mim enquanto músico que pertence aos Mind Da Gap mas que cria as suas letras em casa, sozinho, a pensar naquilo que está a escrever, percebo perfeitamente e lucidamente que tenho momentos que são só meus, apesar de os partilhar com o Presto, e que depois serão nossos, e que muito pouca gente se conseguirá identificar ou até perceber o que nós estamos a dizer. Mas isso também tem a ver com a maneira como nós criamos porque, como eu estava a dizer, é uma coincidência que as pessoas gostem dessas músicas e que elas se tenham transformado em hinos porque, para nós, basicamente, estamos a criar para o nosso umbigo." (Ace)

Mikado Lab-
Caixa Fechada
Bass Drum Bone-
Insistent

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Discofonia (23/24/25 Fevereiro)

Richard Hawley-Serious

Marco Barroso-
L.U.M.E. Big Band

"Eu chego com tudo escrito. Até por questões práticas, geralmente o tempo para ensaiar não é muito e as coisas têm que funcionar depressa, tens que ver o que não está bem depressa, tens que ir para casa pensar depressa e pôr as coisas a... bombar rapidamente. Portanto, isso tudo passa muito por mim, realmente. Perceber o que é que funciona, o que este músico faz bem, onde é que ele está mais confortável, aqui, acoli... E depois fazeres uma síntese disso tudo e tentares compor sinergicamente todos aqueles elementos, não é?"

"Quando estás a falar de um contexto de orquestra, eu acho que tens que imprimir directrizes... acho que o contexto pode ser muito improvisado e tu vês orquestras de free jazz e com uma estética muito vanguardista, que fazem uma música muito interessante, mas às vezes sente-se um bocado falta dessa directriz. Eu compreendo a ideia de querer uma música que seja muito momentânea, muito improvisada, muito democrática, não é?, mas tu podes enriquecer o discurso com nuances dando directrizes e não comprometendo esse sentimento de momento. (...) Ali, a ideia é realmente haver um equilíbrio entre as minhas ideias, entre a minha música e aquilo que eu faço em termos da composição, e depois aquilo que eles podem dar, enquanto intérpretes e enquanto improvisadores, e é chegar a uma sinergia dentro desse equilíbrio. Porque atrai-me muito essa ideia de uma música que seja composta mas que é complementada com a improvisação, porque no fundo a minha música é revitalizada pelas idiossincrasias e por todo o background que eles têm."

"Eu falo nessas influências todas, do Mike Patton, dos Megadeth, da Italian Instabile Orchestra, da Vienna Art Orchestra, isto, aquilo, aqueloutro, mas no fundo... quer dizer, claro que nós temos sempre uma tendência para analisar e desmistificar o que estamos a fazer mas eu até gosto de conservar alguma ingenuidade. Isto pode parecer um bocado estranho... eu acho que deve haver alguma irracionalidade quando estamos a fazer as coisas, sob pena de se poder estar sempre a castrar.(...) Acho que tem tudo a ver com comunicação e emoções. Quer dizer, quando estás a compor... eu estou sozinho em casa, estou a escrever música e, de alguma forma, começo a emocionar-me com aquilo que estou a fazer. Não sei, é como se fosses um... um transmissor de ondas. Acho que quando estás sozinho, isto é um bocado esquisito, mas tu podes estar sozinho e estás a compor... eu acho que já estás a comunicar... Há ali qualquer coisa estranha que não passa só por mim, passa por essa coisa de estar a emitir ondas... É uma forma transcendental, às tantas, de estar a comunicar, não sei..."

Mari Boine-
Big Medicine