quarta-feira, 14 de maio de 2008

Discofonia (10/11/12 Maio)

Jamie Lidell-Little Bit of Feel Good

José Luís Tinoco-
Arquipélago

"Tentaram que eu tivesse (formação académica) mas eu era avesso a qualquer tipo de aprendizagem, era extremamente preguiçoso... a minha mãe era pianista e professora de piano, e tentou realmente iniciar-me no piano, mas desistiu. Aliás houve mais dois professores que também desistiram, portanto... Uma vez que eu era considerado um caso perdido, porque tirava as coisas de ouvido, normalmente, pronto, tirámos daí o sentido."

"Isto agora dava para uma reportagem enorme só sobre os anos 40 e o tempo da guerra. (...) Ah, mas não se ouvia mesmo nada, o problema era esse! É que se nós quiséssemos ouvir jazz, nessa altura chamava-se a Emissora Nacional, que era o programa que nós ouvíamos, lá em casa, e o jazz era qualquer coisa de interdito, era uma música maldita, não é, e portanto, o que é que passava? Temas mais ou menos ligados à cultura norte-americana, com rubricas que tinham um nome engraçadíssimo... por exemplo, música de salão! Só muito tardiamente é que eu comecei a ouvir através da rádio música de jazz. O que eu tive foi a sorte de ouvir, quando era miúdo, uma série de discos do Glenn Miller, e isso para mim foi importantíssimo. Agora, a minha grande fonte de aquisição de conhecimentos musicais da música que me interessava, além da erudita, eram os filmes musicais. E essa é que foi a minha cartilha!"

"(Na década de 50) nós tocávamos tudo aquilo que conseguíamos saber. Eu, por exemplo, sabia poucos temas, porque estava há pouco tempo em Lisboa, mas evidentemente, assim que cheguei ao Hot Clube comecei a tocar até porque o Villas-Boas literalmente agarrou em mim e atirou-me para cima do estrado. Eu era muito magrinho, pequenino, e ele era muito grande e dizia: toca piano! E obrigou-me a tocar! (...) Eu, naquela altura, tinha um repertório muito limitado até porque não tinha nem piano nem discos... (...) Onde é que ensaiava? Em sítio nenhum! (...) Havia em tudo isto uma predisposição para o improviso, não, é, todas as coisas aconteciam de uma forma quase mágica. E então, quando eu passei a ter coragem para subir para o estrado, isso (as jam sessions) passou a ser uma actividade quase permanente."

"Esse foi o momento decisivo para mim e para o Hot Clube, porque até então, nós tocávamos, enfim, aquilo que éramos capazes de tocar, porque éramos todos amadores e analfabetos, convém que se saiba, e havia no meio disto tudo uma figura... estou-me a lembrar, a pessoa que eu vi, pela primeira vez, a construir um solo com princípio, meio e fim, duma coerência, dum brilho espantoso, era um senhor que tocava guitarra, e ainda toca, guitarra eléctrica, que era o Meneses! (...) Em finais de 50, nós estávamos nesta actividade que era perfeitamente avassaladora, frenética, diária, até que uma vez apareceu o Jean-Pierre (Gebler). E ouviu-nos tocar e aqui passou a constituir-se um grupo em que era o Jean-Pierre, que tocava sax barítono, eu ao piano, o Tó Zé Barros Veloso ao contrabaixo, e na bateria, normalmente, o Paulo Gil ou o Sangareau, ou o então recém-aparecido Veloso, Manuel Jorge Veloso, que era um homem com muito instinto... sem ter técnica tinha um swing enorme. Portanto, aqui, nós fomos positivamente impulsionados pelo Jean-Pierre, no sentido de adquirirmos, de estendermos o nosso repertório ao maior número de standards, com esta particularidade, é conhecer tema a tema no tom original! Que era uma prática que nós, normalmente, displicentemente ignorávamos. Portanto passámos a ter um repertório, enfim, ainda relativamente vasto, e que assegurava a existência diária do Hot Clube, à noite."

"Se entende por espírito de profissionais a assiduidade, o estudo e o trabalho regular, ai eu diria que o nosso comportamento era profissional porque, veja bem, nós à tarde reuníamo-nos e dizíamos assim, é pá, vamos agora estudar este tema, suponha, um tema dos Jazz Messengers... eu, como pianista, via, os acordes são estes e tal, tal, tal. Ensaiávamos a introdução, a exposição do tema e depois começávamos a variar e então à noite tocávamos aquilo... Portanto, o nosso comportamento roçava o profissionalismo; agora, não há dúvida nenhuma, eu era arquitecto, o Barros Veloso era médico, o Paulo Gil trabalhava numa companhia de aviação, o Sangareau, esse, era profissional- era baterista, mas um profissional meio amador, meio vagabundo, era uma personalidade giríssima; o outro Veloso, o Manuel Jorge, era funcionário da RTP..."

"O Late Fifties, como o próprio nome indica, foi realmente composto nos finais de 50. Eu não tinha uma actividade como compositor. O tempo chegava-me escassamente, nem para aprender os temas e para os trabalhar, não é? Mas nunca os amadurecer, em casa. Para se compôr é preciso ter um piano e eu não o tinha; nessa altura, o meu piano estava em Leiria, em casa dos meus pais! Acontece é que no meio daquela actividade normal, no Hot Clube, eu compus um tema, que foi este, o Late Fifties. Que, aliás, ninguém reparou nele, diga-se de passagem... era um tema, já, na altura, muito arrevesado, era hard bop... (...) Compunha lá num cantinho, no Hot Clube, nos intervalos. E mais tarde comprei um piano, finalmente, que foi um dia marcante na história da minha vida, e acabei-o, acabei esse tema. Portanto nunca chegou a ser tocado. Esteve durante perto de 50 anos à espera de vir à superfície, como agora, neste disco."

Tahiti Boy and The Palmtree Family-
1973

Sem comentários: