quarta-feira, 30 de abril de 2008

Discofonia (26/ 27/ 28 Abril)

Camille-Canards Sauvages

Azevedo Silva-
Autista

"Ainda hoje julgo que não sei tocar muito bem guitarra. E não o digo com falsa modéstia. Julgo mesmo que não sei tocar guitarra e foi simplesmente a brincar e a dedilhar coisas. (...) Foi num período em que devia ter 12 anos e, na altura, ouvia muita coisa como Nirvana ou Smashing Pumpkins, coisas assim, e lembro-me perfeitamente que o que eu tentava imitar, ou Bob Dylan, e tentava imitar as notas, mesmo sem saber o que é que estava a fazer, tentava apanhar o som de ouvido. E ainda hoje não sei, às vezes tenho dificuldades a tentar explicar qual é a nota que estou a fazer. (...) Foi assim, mais num processo de imitação do que propriamente de aprendizagem."

"Tenho uma referência, básica. E há pessoas que vão dizer que eu me quero colar à imagem mas não é esse o objectivo. Simplesmente, há um que eu admiro desde sempre que é o Zeca Afonso. Ouvia desde muito pequenino... o meu pai fazia emissões de rádio e sempre foi uma presença habitual. E o Zeca Afonso, com o Fausto na guitarra ou com o Zé Mário Branco, tudo aquilo era... dizia-me algo. Era o único autor português que eu ouvia. (...) É uma presença constante nas minhas entrevistas: se pedem para escolher um tema, escolho Zeca Afonso, se me pedem uma influência, eu digo Zeca Afonso, porque é realmente, não sei, se há alguém que, para mim, merece ter uma posição de destaque eu penso que seja ele. (...) Há muita daquela realidade que, para mim, continua a ser actual, mas depois quando falo da própria música em si, em termos melódicos, por exemplo, referindo-me à Redondo Vocábulo, para mim podia ser uma música composta hoje, em 2008."
"Não (é uma música) no sentido clássico de intervenção, de protestar contra algo concreto, contra um sistema ou um regime, com um objectivo específico. Diria que é música que pretende interpelar as pessoas, mas apelando a diversas coisas e não, lá está, a uma crítica concreta, a um regime ou a um sistema. (...) É intervenção não política. Se considerarmos intervenção no sentido político, tradicional, não será, mas não sei se se chama música de intervenção por uma degenerescência que ocorreu no conteúdo da música... das músicas, progressivamente, no tempo, passarem a ter um conteúdo mais superficial; então isto, agora, só porque tem um conteúdo relevante passa a ser chamado de intervenção? Não sei, eu não diria que é de intervenção. Se guardar o termo para o contexto histórico que tem, é música com conteúdo." (Filipe Grácio)

"Isso é obrigatório, já tenho as viagens marcadas. Todos os anos tenho que fazer uma viagem. Este ano já estive em França, Holanda, Bélgica... em Janeiro já fiz isso, agora vou a Itália, Alemanha, tenho que continuar a viajar. (...) À semelhança da Tartaruga, que também tinha um tema, que era o Deus Pânico, em que falava, precisamente, de uma maneira um bocado mais subtil, provavelmente... falava do meu medo da morte, essa frase específica, "Sabe a pouco o que a vida nos reservou", é mesmo aquela vontade de não parar, não consigo parar. Ao pensar que um dia tudo será nada, tenho que ter algo para fazer, constantemente. Não parando aquilo que tenho para fazer. Se não, torna-se demasiado pesada, a existência."

Mão Morta-
A Poesia

terça-feira, 22 de abril de 2008

Discofonia (19/20/21 Abril)

Asa-Fire on the Mountain

Leo Tardin-
The Biggest Piano in Town

"Quando começamos a dizer 'isto é jazz' ou 'isto não é jazz', acho que perdemos de vista a essência do que é o jazz... O jazz é uma música de inventividade e de personalidade. Se dissermos que isto é assim, ou devia ser assim, torna-se uma abordagem académica, e esta música não foi criada nas escolas! É esse o perigo, com as escolas de jazz no mundo inteiro: por um lado, é óptimo que existam, mas, por outro lado, perdemos a ligação com a essência e a urgência desta música. O que é mais importante, para mim, não se aprende na escola."

Meredith Monk-Memory Song

terça-feira, 15 de abril de 2008

Discofonia (12/13/14 Abril)

Camille-Kfir

Marta Hugon-
Story Teller

"Claro que sim, de alguma forma acho que a pessoa se revê nas canções, e se eu não me tivesse revisto de alguma forma nesta canção (Good Morning Heartache) (...). Eu acho que um cantor, quando escolhe uma canção, tem sempre isso em conta. Ou seja, uma coisa é nós escrevermos as nossas próprias letras, e isso é nosso, de outra forma... apesar de eu achar que a música, depois de a gente a fazer, ela ganha um bocadinho vida própria e é um bocado como eu me ouço às vezes e digo: é como se fosse outra pessoa! Sou eu mas ao mesmo tempo é outra pessoa a cantar. Quando se cantam coisas de outros compositores, que é o caso do repertório que está neste disco, e no primeiro também, a pessoa identifica-se com aquilo que está a cantar e por alguma razão o escolheu, não é? Senão, esse lado mais interpretativo e mais emocional que eu gosto de pôr nas canções não estava lá."

"São muitas coisas que estão em jogo mas eu acho que tem que haver sempre esse lado de representação, que também é aquilo que nos permite, mesmo vivenciando aquela experiência, manter o distanciamento necessário para entregar a canção de uma forma, vá lá, profissional, se assim quisermos. Ou seja, para manter a sua consistência, para que a música esteja acima, também, da nossa vivência pessoal, ou para que a nossa vivência pessoal não se sobreponha à música."

"Eu gosto de fazer música, independentemente... agora, de facto, é no jazz que eu posso fazer as coisas que realmente me preenchem. Eu gosto de cantar ao vivo, gosto deste trabalho com a banda, e isso com as outras músicas... acontece de outra forma, são outros processos de criatividade. São outras formas de criar."

terça-feira, 8 de abril de 2008

Discofonia (5/6/7 Abril)

Tom Brosseau-Committed to Memory

Luís Lopes-
Humanization 4Tet

"Quando comecei a ouvir Jimi Hendrix fiquei logo... Eu sempre me apaixonei por estes artistas agrestes, que valorizam a ideia em si e não a técnica para o atingir. É óbvio que é preciso sempre muita técnica para tocar como eles, mas eu digo isto, de valorizar a ideia em si, porque eles valorizam a sua forma de tocar e têm uma forma de tocar completamente diferente do que normalmente se ensina nas escolas, por exemplo. Essa forma de tocar é única e é deles. O Jimi Hendrix tem isso, não é uma pessoa académica que aprendeu a tocar- alguém lhe ensinou a tocar daquela maneira e ele foi aprendendo, e tem uma forma agreste, crua, de tocar. Falha... há a questão do erro, também, não é? Que está incluída na maneira de ele tocar e é assumido e é reciclado para fazer a música- e a ideia em si é que conta."

"Isto é como a pintura, não é? Há uns que gostam de pintar a coisa real, fazer uma cara de uma pessoa, fazer uma imagem de uma pessoa, certa, há outros que se calhar chegavam lá, faziam aquela cara, daquela pessoa, exactamente igual como o outro fez e depois passavam-lhe a mão por cima e aquilo ficava tudo desbaratinado... desfocado. Eu não consigo separar, ainda não consegui separar a música da pintura e de outras artes. Acho que é exactamente a mesma coisa. Eu pensar, em termos estéticos, em relação a uma música como o jazz, eu vou logo buscar a pintura e tentar equivaler... O que é que equivale a um músico como o Charles Gayle? Qual é a pintura que equivale a isso? (...) Ou o que é que corresponde, em termos de pintura, a um músico como o Jim Hall, por exemplo? O que é que corresponde, não é?"

"Há quem diga que na livre improvisação vale tudo menos tirar olhos. Eu digo: vale tudo, inclusive tirar olhos! Quer dizer, o que é a improvisação? Improvisação é uma palavra muito abrangente. Um guitarrista como o Jim Hall, por exemplo, ele também é um improvisador. E podemos falar do Wes Montgomery e esse pessoal todo, da clean guitar, se me é permitida a expressão. Eles são improvisadores, eles improvisam! O improviso já vem desde... aliás, é inerente à palavra jazz, não é? Eu posso é, quando estou a improvisar, posso aproximar-me da raiz do acorde, ou da melodia da música, e estar dentro da melodia, ou posso afastar-me até ao infinito, inclusive ruídos, ou não tocar, ou tocar só aquelas notas (...). É uma questão de gosto."

"Eu tenho boa memória e vou sempre reciclando tudo aquilo que fui aprendendo mas, se calhar é a chave da questão, quando estou a tocar, eu gosto de arriscar e ir para qualquer sítio onde eu nunca estive. A tocar. Gosto mesmo! Eu gosto de arriscar quando estou a improvisar, e eu sei que naquele momento eu estou a ir para um sítio onde ainda não estive. (A fazer algo) que eu não me lembro de ter feito antes. Estou mesmo a arriscar na hora. (...) É claro que depois aquilo mistura-se um bocadinho, porque eu sei que, de repente, quero arriscar e vou para um sítio que eu não conheço ainda, e de repente começam a aparecer-me outras ideias. Que eu já me lembro. (...) Eu falo por mim. Para mim tem sido assim. E é claro que vêm-me sempre as ideias todas, e vêm mesmo, estou a ser sincero. Vêm-me as ideias de tudo, não é só da música. Vêm-me as ideias das minhas vivências daquele dia e dos outros dias, as vivências todas que a gente vai fazendo... é impressionante, mas é verdade."

Bobby McFerrin-I'm Alone

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Discofonia (29/30/31 Março)


Zé Eduardo Unit-Realejo

Paula Sousa-
Valsa Para a Terri

"Eu não decidi aos 8 anos: vou ser pianista. Eu decidi milhões de vezes na minha vida. Algumas vezes fui desviada disso porque eu devia fazer não sei o quê, porque não sei o quê, mas depois eu tinha que voltar sempre à base. (...) Eu não quero viver sem ser músico."

"Dei-me relativamente (no universo da música pop). Eu acho que me dei bem, mas de alguma maneira senti que havia algo curto para mim, musicalmente, ali. Ou seja, que me era pedido que eu fizesse algo mais curto, em termos musicais; algumas vezes isso acontecia. (...) As pessoas, muito facilmente, na pop, associam... é um processo muito rápido. E que às vezes acontece depressa demais. Às vezes, quando nós passamos algum tempo a estudar, quando nós compreendemos que a música é uma coisa muito vasta, que demora tempo até fazermos alguma coisa realmente, pronto, alguma coisa que a gente possa dizer 'Bem, vamos lá, não está mal', sei lá, eu sou assim um bocadinho exigente comigo própria- então às vezes fica difícil relacionarmo-nos... ficou, para mim, difícil relacionar-me com algumas reduções de alguns processos rápidos demais. E, a certa altura, tornou-se um bocadinho insatisfatório."

"Ser pianista é um bocadinho, é daquelas profissões que se vê como arriscada, não é? Pronto, é tudo pouco garantido... Eu cada vez mais acho que o mais garantido que temos é irmos à procura de nós (...). Para mim tem sido muito difícil, desde que me conheço, convencer as pessoas que é mesmo isto, que desistam de me convencer que se eu tivesse o meu curso de economia, se eu fosse não sei o quê da farmácia, não sei o quê, é que estava tudo tranquilo. Isso tem sido muito difícil. No meio do jazz... é difícil. É um meio difícil porque, sobretudo, há grandes músicos em Portugal. Cada vez há mais bons músicos em Portugal, não há muitos sítios onde tocar... Eu não posso dizer que, como mulher, me foi especialmente difícil entrar no mundo do jazz, não posso dizer que senti aquela pressão das pessoas me porem de parte como mulher. Não senti nada disso."

Little Annie & Paul Wallfisch-
The Summer Knows